sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Trabalhadores imigrantes no Brasil - século XIX/XX


Leide Alvarenga Turini

Mesmo antes da abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, alguns segmentos da classe dominante brasileira, sobretudo os cafeicultores do oeste paulista, demonstravam interesse pela adoção da mão de obra do trabalhador imigrante. Isto significa que não havia mão de obra disponível no Brasil que pudesse ser utilizada por esses proprietários? Não! Havia sim, no Brasil da época (segunda metade do século XIX), um potencial de mão de obra (trabalhadores pobres e livres) que poderia atender ao interesse dos proprietários no processo de expansão da lavoura cafeeira. Entretanto, a possibilidade de utilização do trabalhador nacional foi logo abandonada.

Os trabalhadores nacionais livres se recusavam ao trabalho nas lavouras porque possuíam uma ideia extremamente negativa a respeito do mesmo. Conheciam de perto a relação existente entre senhores e escravos no Brasil, relação esta caracterizada pela superexploração e violência. Desta maneira, preferiam perambular livremente pelo país, realizar serviços esporádicos nas fazendas ou desenvolver atividades agrícolas de subsistência ao invés de se sujeitarem ao trabalho degradante nas lavouras. Para que os pobres livres se sentissem atraídos pelo trabalho disciplinado e regular nas grandes plantações, junto com os escravos ou em substituição a eles, seria preciso oferecer-lhes vantagens materiais que tornassem compensador o abandono da vida marginal e errante, porém livre, que muitos daqueles trabalhadores levavam. Em síntese, enquanto os trabalhadores nacionais (pobres livres) pudessem garantir a subsistência, mesmo que de forma precária, não se submeteriam ao regime de trabalho imposto pelos proprietários.

Assim, não foi por acaso que os cafeicultores brasileiros optaram pela mão de obra do imigrante e também não foi sem razão que trabalhadores europeus emigraram para o Brasil. Em países como a Inglaterra, França, Itália, Alemanha, o processo de industrialização, entre os séculos XVIII e XIX, fez-se à custa da exploração do trabalho dos operários urbanos e da expulsão dos trabalhadores rurais, do campo. Esses últimos, impedidos de obter a subsistência por meio do cultivo da terra dirigiram-se para as cidades onde engrossaram as fileiras dos desempregados ou se submeteram ao regime de trabalho das fábricas. A Itália, que forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes para o Brasil, passava à época por crises políticas e sociais responsáveis por elevados índices de desemprego[1]. Por outro lado, as medidas adotadas pelos Estados Unidos no período, restringindo a imigração para aquele país, atraíram para o Brasil um elevado número de imigrantes.

Desta maneira, o trabalhador europeu, sem nenhuma propriedade, dono apenas de sua força de trabalho e que acreditava que o trabalho no Brasil seria fonte de enriquecimento e segurança, era o trabalhador ideal na perspectiva capitalista dos proprietários brasileiros.

Assim é que, no século XIX, milhares de imigrantes (alemães, suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) entraram no Brasil trazendo na bagagem apenas alguns objetos de uso pessoal e na cabeça o sonho de “fazer a América”. Para a concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um fator que muito contribuiu foi a intensa propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa.

Conforme Michael Hall, a respeito da propaganda feita na Itália:

Durante os últimos anos da década de 1880, agentes do Brasil pululavam em Veneza e outras partes do Vale do Pó estimulando “uma espécie de febre” que levaria inúmeros trabalhadores agrícolas a partirem para o Brasil, na “esperança de lá encontrarem a terra prometida” como escreveram os funcionários italianos em  Treviso. Alguns desses candidatos à emigração até viajaram a pé, cruzando a maior parte do norte da Itália sob um rigoroso inverno, para tomar os navios que em Gênova prometiam passagens grátis para Santos. 

Os trabalhadores imigrantes vinham para o Brasil em busca de uma vida melhor, diferente daquela que levavam em seu país de origem. Fugiam do desemprego e da fome e acreditavam, por força da propaganda, que no Brasil teriam acesso a terra (como os primeiros imigrantes que vieram para o Brasil no início do século XIX) e que poderiam construir uma nova vida.

Antes da vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras, algumas experiências já haviam sido realizadas com colonos europeus no Brasil. Por exemplo, no início do século XIX, com o objetivo de promover o povoamento de algumas regiões do país, o governo brasileiro criou o sistema de colonização que consistia na instalação de imigrantes em pequenas propriedades de terra. Por esse sistema, as famílias de colonos imigrantes recebiam pequenos lotes de terra onde deveriam produzir principalmente gêneros alimentícios para o mercado interno. Pelo sistema de colonização chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, imigrantes alemães e suíços que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Colônias como a de São Leopoldo (1824) no Rio Grande do Sul e a de São Pedro de Alcântara (1828), em Santa Catarina, foram criadas dentro dos princípios do sistema de colonização. Mais tarde outras colônias foram fundadas, como a colônia Dona Francisca (hoje Joinville) e a colônia de Blumenau (1850), em Santa Catarina. As colônias estabelecidas no sul do país não representavam uma ameaça para os cafeicultores do sudeste nem para os pecuaristas gaúchos uma vez que se localizavam em áreas não ocupadas pelo latifúndio e produziam gêneros que não concorriam com os da grande lavoura. Esperava-se desses colonos imigrantes que, ao receberem terras, formassem uma camada social intermediária entre escravos e latifundiários (a categoria social dos pequenos proprietários) com a tarefa de produzir vários gêneros para o mercado interno, atendendo às necessidades dos latifúndios (cuja base era a monocultura de exportação) e dos núcleos urbanos em expansão.

Mas foram poucos os colonos imigrantes que receberam terras e subsídios do governo brasileiro, principalmente a partir da aprovação da lei de terras de 1850. Esta lei proibiu a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Essa lei provocou a expulsão de muitos posseiros, bem como impediu que outros trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso a terra.

De qualquer maneira, o sistema de colonização durou pouco. A partir de 1840, quando os proprietários paulistas passaram a defender a vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras de café, o sistema adotado nada tinha a ver com o que havia sido realizado nas primeiras décadas do século XIX. Conhecido como sistema de parceria, a primeira experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira), cujo proprietário era o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Para o transporte dos imigrantes o senador Vergueiro fundou a empresa Vergueiro e Cia. Os trabalhadores imigrantes contratados eram todos camponeses empobrecidos, artesãos e operários que esperavam encontrar no Brasil o que na Europa estavam impossibilitados de obter: acesso a terra, bens materiais e condições dignas de vida.

De acordo com o contrato de parceria, os colonos tinham todas as despesas de viagem pagas e transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família, efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do fazendeiro. Essa gratuidade era, na verdade, apenas um adiantamento: logo que o colono iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Do lucro obtido com o café colhido, o colono deveria receber a metade, descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento, transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos alimentos vendidos pelos colonos.

Ainda com pouco tempo de funcionamento, o sistema de parceria acarretou vários problemas que acabaram em sérios conflitos entre as duas partes. Os colonos acusavam os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros frutíferos que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis. Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a mercadoria em prejuízo dos colonos. Criticavam a falta de liberdade religiosa e as moradias em que eram instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. Além disso, muitos fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido anteriormente, cobravam aluguel dos colonos. O endividamento dos colonos era permanente, pois além das dívidas contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os fornecia aos colonos a preços altíssimos. Dessa maneira, muitos imigrantes endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando preso ao fazendeiro, quase como um escravo.

Os colonos não se acomodaram a esta situação. Inicialmente realizaram protestos pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas famílias abandonaram as fazendas. Foram inúmeros os casos de greves, rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de indisciplinados, reclamando das freqüentes deserções de suas fazendas. Quando eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento do governo, fiscalização e repressão policial.

Durante a década de 1860 as fazendas de café foram abandonando o sistema de parceria e, na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café produzido.

Entretanto, mesmo após a imigração subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores imigrantes continuaram muito ruins e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se para bem poucos. Muitos deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomavam o rumo das cidades a procura de trabalho nas fábricas ou em outras atividades urbanas. Em 1902, o governo da Itália proibiu a imigração subvencionada para o Brasil e os fazendeiros passaram a se interessar pela imigração de trabalhadores portugueses e espanhóis. Em 1910, o governo espanhol também proibiu a emigração subsidiada. A partir de 1908 chegaram ao Brasil imigrantes japoneses, os quais passaram a integrar a força de trabalho nas lavouras de café e em outras atividades agrícolas do país.

Bibliografia:

ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 143-148.

AZEVEDO, Célia M.M. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

REVISTA TRABALHADORES. Imigrantes. Publicação da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas: 1989.



[1] De acordo com Francisco Alencar, “na Itália que forneceu o maior contingente de imigrantes para o Brasil, havia várias forças de expulsão. As lutas políticas do processo de unificação e o desenvolvimento do capitalismo no campo levaram à concentração da propriedade da terra, ocasionando o desemprego de milhares de famílias. O crescimento industrial no norte provocou a falência de pequenas indústrias e manufaturas do sul, o que também causou desemprego”. ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 147.


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA INGLATERRA

A Revolução Industrial

Chamamos de Revolução Industrial o conjunto de mudanças ocorridas na produção de mercadorias e no modo de viver das pessoas na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, e que se expandiu para outros países no século XIX.

Conforme escreveu o historiador inglês Eric Hobsbawm:
“A Revolução Industrial assinala a mais radical transformação da vida humana já registrada em documentos escritos. Durante um breve período ela coincidiu com a história de um único país, a Grã-Bretanha. Assim, toda uma economia mundial foi edificada com base na Grã-Bretanha, ou antes, em torno desse país, que por isso ascendeu temporariamente a uma posição de influência e poder mundiais sem paralelo na história de qualquer país com as suas dimensões (...)”. In: HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2003. p. 13.
Para compreendermos esse conjunto de mudanças, é importante perceber como as pessoas produziam aquilo que precisavam antes da Revolução Industrial.

- O artesanato

Durante a Idade Média predominou o artesanato, uma forma de produzir coisas, ainda comum em muitos lugares do Brasil.
Na produção artesanal, todas as tarefas são desenvolvidas (quase sempre) pela mesma pessoa.
Veja o exemplo do sapato: o artesão (sapateiro) inventa os modelos, corta o couro, costura-o, cola-o e faz o acabamento. Este artesão até pode ter pessoas o auxiliando, mas conhece todas as fases da produção. Normalmente trabalha em cômodo da sua própria casa e, desse modo, pode decidir quantas horas trabalhar – quando começar, quando parar para descanso, quando exceder nas horas de trabalho. Em suma, o artesão pode controlar o seu tempo.

- A manufatura

A manufatura surgiu quando os comerciantes europeus perceberam que deviam produzir mercadorias, pois a população da Europa cresceu consideravelmente e também os seus produtos poderiam ser enviados para a América, África e Ásia (continentes que os europeus haviam colonizado).
Aqueles comerciantes que tinham mais posses – isto é, dinheiro – reuniram homens, mulheres, jovens e crianças para trabalhar nas oficinas e fabricar produtos. Os donos dessas oficinas forneciam a matéria-prima e pagavam aos trabalhadores uma certa quantia pelo trabalho realizado.
Desse modo, na manufatura, o trabalhador não é dono dos meios de produção (oficina, ferramentas etc.) e existe uma divisão do trabalho (cada pessoa desempenha uma tarefa na produção).
Todos os equipamentos são manuais, ou seja, devem ser manejados pelos trabalhadores para funcionar.
É com a invenção e utilização das máquinas nas primeiras fábricas que se iniciaram as mudanças que caracterizam a Revolução Industrial: cada máquina substitui várias ferramentas e realiza o trabalho de diversas pessoas. Mas as fábricas, mesmo equipadas de máquinas, precisam de trabalhadores para “auxiliá-las” na produção das mercadorias. Assim surge o trabalhador assalariado, ou seja, as pessoas que foram trabalhar nas fábricas em troca de um salário. Assim surgem, portanto, patrões (donos das fábricas) e empregados (trabalhadores das fábricas).
A máquina a vapor, aperfeiçoada na década de 1760, foi um invento dos mais importantes para o desenvolvimento da Revolução Industrial. Isto porque o uso do vapor como fonte de energia possibilitava substituir as energias muscular, do evento e a força da água por uma energia mecânica.

O pioneirismo inglês

Foi na Inglaterra onde se desenvolveram as primeiras máquinas a vapor e, portanto, onde surgiram as fábricas, com suas chaminés lançando canudos de fumaça e poluindo o ar.
Veja alguns fatores que determinaram o pioneirismo inglês no processo de industrialização:
-O acúmulo de capitais (riquezas, dinheiro) conseguido através da expansão marítimo (lucros do tráfico de escravos, pirataria e exploração de colônias);
-A Revolução Inglesa do século XVII, que eliminou os entraves feudais e permitiu o avanço capitalista no campo (cercamentos, isto é, expulsão dos camponeses das terras para usá-las como pastagens, para criação de animais como cavalos e/ou ovelhas);
-Os avanços tecnológicos experimentados pelos ingleses, como a mencionada invenção da máquina a vapor e, posteriormente, o desenvolvimento dos meios de transporte (ferrovias);
-O desenvolvimento da metalurgia, indispensável à fabricação de máquinas, trilhos de ferro etc.;
-A existência de reservas de carvão e ferro, tão necessários para o funcionamento das fábricas;
-A mão-de-obra com fartura e também barata, uma vez que milhares de camponeses tiveram que deixar o campo e partir para as cidades, devido aos cercamentos.

As fábricas e os operários:

As condições gerais de trabalho nos primeiros tempos da Revolução Industrial não eram agradáveis. Leia o texto abaixo, de autoria do historiador inglês William Henderson, que permite uma melhor compreensão dessa situação vivida pelos trabalhadores:
“A Revolução Industrial teve consequências dramáticas para todos os grupos de trabalhadores. Os operários nas fábricas, os mineiros nas minas de carvão, os artífices nas suas oficinas e os camponeses na terra tinham que se ajustar a um modo de vida inteiramente novo. Muitos entravam nas fábricas com muita relutância. (...) Os males sociais das fábricas, das cidades fabris e das mineiras e as tragédias dos trabalhadores domésticos agora desempregados estavam entre os primeiros aspectos da ordem que requeria a atenção dos reformadores.
Muitos operários das primeiras fábricas ficavam em completa dependência dos seus novos patrões. Nos princípios do século XIX, um mineiro de Durham ou um oleiro de Staffordshire que tivesse assinado um contrato por um ano e vivesse numa choupana da firma estava completamente à mercê do patrão. Havia outros modos dos patrões dominarem os operários. Em certos distritos industriais era vulgar homens receberem salários antecipados e assim caíram em débito permanente.
Os operários das fábricas e das minas não estavam sob o poder dos patrões como sob o poder público. Era-lhes proibido juntarem-se em sindicatos obreiros, fazer greve ou emigrar. (...)
Os trabalhadores achavam, pois, difícil adaptar-se à disciplina imposta pela fábrica. No passado, os artífices e os camponeses trabalhavam muitas horas, mas podiam descansar de vez em quando. iA máquina cruel, contudo, precisava de atenção constante. A pontualidade e a rigorosa atenção ao trabalho eram reforçadas por multas e pela ameaça de demissão. (...)
As queixas mais sérias dos operários das fábricas e das minas referiam-se às excessivas horas de trabalho, salários baixos, multas, e ao sistema de permuta segundo o qual os patrões pagavam em gêneros e não em dinheiro. Os homens, mulheres e as crianças trabalhavam doze horas ou mais por dia e estavam geralmente exaustos quando regressavam a casa. Visto a certos patrões interessar que as máquinas trabalhassem continuamente, introduziram-se turnos noturnos em algumas indústrias. O número de dias de trabalho no ano aumentava. Por vezes o domingo era de trabalho também, apesar dos protestos das Igrejas. Nos distritos onde os aprendizes costumavam ter as segundas-feiras livres, os patrões faziam o possível por abolir esse hábito. E, nos países católicos, os dias santos eram gradualmente reduzidos nas fábricas. Além disso, após a Revolução Industrial, um operário tinha às vezes de percorrer uma considerável distância à pé para chegar à fábrica, enquanto sob o anterior sistema doméstico trabalhava em casa.”
In: HENDERSON, W. O. A Revolução Industrial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979. p. 122-128.

Texto produzido pelo Prof. Elmiro Lopes a partir das referências bibliográficas abaixo:

BIBLIOGRAFIA

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: sociedade e cidadania, 7ª série (8º ano). São Paulo: FTD, 2006.
HENDERSON, W. O. A Revolução Industrial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Do artesanato à maquinofatura: os primórdios do consumismo

Considerando os milhares de anos da história da humanidade, faz pouco tempo que as pessoas trabalham o dia inteiro, tem horário para tudo e vivem com pressa. Essa vida de correria começou com a industrialização, no século XVIII, quando as máquinas passaram a produzir muito mais em menos tempo.

A industrialização começou com as máquinas que produziam tecidos na Inglaterra. Aos poucos, essa velocidade se estendeu a outras esferas da sociedade, como transportes e comunicações. As cidades cresceram, assim como o número de fábricas, a poluição e o consumismo.

Para entendermos estas transformações precisamos compreender o que seria a primeira forma de produção industrial, o artesanato que surgiu no fim da Idade Média. Como vimos no texto anterior, com o aumento da população urbana, surgiram novas ocupações profissionais e uma nova forma de organização do trabalho e da produção. Entre as várias atividades artesanais, a que mais se destacou foi à produção têxtil. Na produção artesanal, havia os mestres ofício, que eram os donos das oficinas e dos instrumentos. Com eles trabalhavam os aprendizes, homens livres que dependiam do mestre para trabalhar e aprender o ofício, e jornaleiros, homens que trabalhavam por jornada recebendo uma remuneração diária. O artesão realizava e conhecia todas as etapas da produção. A produção caseira dependia totalmente da habilidade, da força e da velocidade do artesão que fazia tudo que produzia manualmente. Por isso, o sistema doméstico produzia em pequena escala e não garantia uma produção volumosa.

O artesanato que vemos hoje nas ruas ou nas lojas de produtos alternativos é bem diferente do artesanato doméstico que estudamos, embora as técnicas de trabalho sejam muitas vezes as mesmas. Naquela época, o artesanato era fundamental para obter coisas básicas, como roupas, móveis, tapetes, cobertores, utensílios domésticos etc. Atualmente, o artesanato está voltado para a produção de artigos ornamentais e representa pouco do volume geral das mercadorias produzidas na maior parte dos países.

Por volta do século XV, homens de negócios começaram a agrupar os artesãos em grandes galpões para controlar a produção de mercadorias. Surgia assim a manufatura, forma de produção básica da época da transição do feudalismo para o capitalismo, e é considerada por muitos estudiosos, a primeira forma de produção capitalista.

Nesse sistema, a produção foi dividida em diferentes etapas, cada qual realizada por um trabalhador. Como no artesanato, o trabalhador era o agente principal da produção, mas este não mais controlava a confecção do produto do começo ao fim, ao contrário, responsabilizava-se por apenas uma parte da produção. Contava com o auxílio de ferramentas e de algumas máquinas simples, como a de fiar e a de tecer, no caso da tecelagem. Na manufatura, o artesão deixou de ser dono dos instrumentos e do local de trabalho, que foram para as mãos dos capitalistas, e passou a trabalhar em troca de um salário.

Nas manufaturas, trabalhavam dezenas ou mesmo centenas de pessoas, sob as ordens de um empregador capitalista. Em cada manufatura desenvolvia extensa divisão do trabalho, cada linha de produção sendo dividida em numerosas tarefas distintas. Cada grupo de trabalhadores se dedicava especializadamente a uma dessas tarefas, o que permitia grandes ganhos de produtividade. [1]

A manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o artesão a aumentar a produção e o comerciante a dedicar-se à produção em maior quantidade para venda e não só para o consumo próprio. O manufatureiro distribuía a matéria-prima e o arte­são trabalhava em casa, recebendo pagamento combinado. Esse comerciante passou a administrar a produção de mercadorias, além de vendê-las. Primeiro, contratou artesãos para dar acabamento aos tecidos; depois, tingir; e tecer; e finalmente fiar. Surgiram fábricas, com assalariados, sem controle sobre o produto de seu trabalho. A produtividade aumentou por causa da divisão social, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa da produção.

Além disso, houve a ampliação do mercado consumidor que se relaciona diretamente ao alargamento do comércio, tanto em direção as terras conquistadas pelos europeus tanto no Oriente como em direção à América, permanecendo o lucro nas mãos dos grandes mercadores. Outra característica desse período foi a interferência do capitalista no processo produtivo, passando a comprar a matéria prima e a determinar o ritmo de produção, uma vez que controlava os principais mercados consumidores.

Na segunda metade do século XVII, com a Revolução Industrial, a manufatura foi substituída pela maquinofatura, o que aconteceu primeiramente na Inglaterra.

A energia hidráulica e, depois, os motores a vapor começaram a mover as máquinas, aumentado a velocidade e a precisão da produção, que estava parcialmente automatizada. O trabalhador passou a alimentar a máquina, verificar e controlar sua velocidade e zelar por sua manutenção. Com a divisão de tarefas, operário não conhecia mais todo o processo produtivo: ele dominava apenas a etapa da produção da qual era encarregado. Os produtos passaram a ser produzidos mais rapidamente, barateando o preço e estimulando o consumo. Por outro lado, aumentou também o número de desempregados, pois as máquinas foram substituindo, aos poucos, a mão-de-obra humana. Até os dias de hoje, o desemprego é um dos grandes problemas nos países em desenvolvimento.

Não podemos negar, então, que os resultados desta transformação nas relações de produção foram extraordinários, refletindo em vários setores da vida humana.

BIBLIOGRAFIA

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História: sociedade e cidadania, 7ª série (8º ano). São Paulo: FTD, 2006.

HENDERSON, W. O. A Revolução Industrial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

MARQUES, Adhemar. Pelos caminhos da história: ensino médio. Curitiba: Positivo, 2006.

SCHMIDT, Dora. Historiar: fazendo, contando e narrando a História. 7ª série. São Paulo: Scipione, 2002.



[1] SINGER, Paul. A formação da Classe Operária. 5.ed.São Paulo: Atual, 1994,p.12