REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA EM CASO DE UTILIZAR ESTE TEXTO:
FRANCO, Aléxia Pádua e SILVA, Maria Lúcia. O surgimento das idéias liberais e o fortalecimento do capitalismo e da burguesia. Eseba/UFU, Uberlândia, 1994.
O Surgimento das Idéias Liberais e o Fortalecimento do Capitalismo e da Burguesia
Aléxia Pádua Franco
Maria Lúcia Silva
A partir do século XVII, na Europa, principalmente na Inglaterra e na França, a sociedade capitalista que havia iniciado sua formação há quatro séculos atrás, começou a sofrer profundas modificações baseadas nas idéias liberais, as quais levaram ao fortalecimento do capitalismo e de sua classe dominante – a burguesia.
Vamos estudar a seguir como isto aconteceu!
1- Contexto em que surgiram as idéias liberais
No século XVII, a burguesia européia já havia conseguido acumular bastante riquezas devido ao lucrativo comércio com suas colônias, ao rendoso tráfico de escravos, a maior produção do setor agrícola causada pelo uso de melhores técnicas e ao crescimento industrial financiado pelo dinheiro ganho no comércio. Enfim, a burguesia, devido à exploração das colônias, ao uso de novas técnicas na agricultura e a construção de indústrias, passa a produzir mais, vender mais e, por isso, obter mais lucros, tornando-se a classe mais rica, mais poderosa economicamente.
No entanto, o governo absolutista e a política econômica mercantilista que, como já foi estudado na 6ª série, entre os séculos XIV e XVII, tinham auxiliado nos primeiros passos do capitalismo, a partir de meados do século XVII, começaram a atrapalhar os negócios da burguesia e o aumento de suas riquezas, emperrando, assim, o maior crescimento do sistema capitalista. Esta era a crise do Antigo Regime, ou seja, a crise da organização social existente na Europa, aproximadamente entre os séculos XIV e XVIII, baseada no absolutismo e mercantilismo.
O absolutismo era um governo no qual o poder concentrava-se nas mãos de um Rei pertencente à nobreza e não à burguesia. Seu poder era hereditário e divino, isto é, passava de “pai para filho”ao invés de ser eleito e a Igreja afirmava que o Rei havia sido colocado neste cargo devido à vontade de Deus e não devido à vontade dos homens. Os homens deviam respeitar esta vontade divina, divulgada pela Igreja, obedecendo cegamente as leis criadas pelo Rei Absolutista, pois elas eram as leis de Deus. A própria palavra “absolutismo”já diz: o poder do rei (monarca) é absoluto, total e inquestionável. Ele governa sozinho, cria leis, impostos, dirige o exército e o povo conforme seus desejos que diz ser os desejos de Deus.
Por que, a partir de meados do século XVII, este tipo de governo atrapalha a burguesia?
Ele afastava esta classe economicamente poderosa do controle político da sociedade. Como o Rei era escolhido hereditariamente dentre famílias da nobreza, a burguesia não conseguia interferir na escolha dos governantes: não podia se candidatar, pois não havia eleições; não podia governar, pois o Rei era um nobre e não um burguês.
Além disso, as leis criadas pelo rei absolutista não beneficiavam muito a burguesia e sim a nobreza e o clero (conjunto de membros da Igreja) que eram as classes mais diretamente ligadas ao monarca: o rei era um nobre e seu poder divino era justificado pela Igreja. Críticas de burgueses a estas leis não eram muito aceitas, pois se perguntava como as leis elaboradas de acordo com a vontade divina representada pelo Rei podiam ser criticadas por simples homens mortais como os burgueses.
A política econômica da Monarquia Absolutista era o mercantilismo. O Estado, governado por um rei, interferia em toda a economia: determinava o que e como produzir (qual matéria-prima e ferramenta usar, que mercadoria fabricar e vender), cobrava altos impostos dos produtores e comerciantes, definia preços e salários.
Desta forma, a burguesia, apesar de ter muito capital para aplicar na economia, não tinha liberdade para decidir o que ela mesma produziria e por quanto venderia os produtos resultantes de seu trabalho e investimento. Ela entregava boa parte de seus lucros para o Estado, através do pagamento de altos impostos que, ao invés de serem usados para ampliar as indústrias e aumentar a produção – o que traria mais riqueza para os burgueses – eram empregados para pagar as mordomias da nobreza e do clero (festas, banquetes, roupas, etc.). Enfim, a burguesia não podia administrar seus negócios como queria; ela dependia das decisões do governo absolutista.
Além disso, o mercantilismo defendia o monopólio comercial entre a colônia e metrópole, isto é, a colônia só podia comprar e vender para a metrópole. Por exemplo: o Brasil só podia comercializar com Portugal.
Isto era ruim principalmente para a burguesia francesa e inglesa, pois como estes países não tinham tantas colônias de exploração como Portugal e Espanha, eles tinham poucos compradores para seus produtos.
Veja o exemplo abaixo:
A burguesia inglesa precisava de matéria-prima para sua indústria (algodão para fazer tecido, etc.) e tinha uma série de produtos manufaturados para vender. O Brasil possuía essa matéria-prima para fornecer à Inglaterra e gostaria de consumir as mercadorias inglesas. No entanto, não podia. Por quê?
O Brasil era colônia de Portugal e, por isso, só podia vender sua matéria-prima para os portugueses e comprar mercadorias deste país. Mesmo que a Inglaterra pagasse mais pela nossa matéria-prima e vendesse mais barato, esta transação comercial era proibida pelo monopólio comercial.
Todos estes prejuízos políticos e econômicos da burguesia francesa e inglesa, gerados pelo absolutismo e mercantilismo a partir do século XVII, levaram-na a elaborar e divulgar um conjunto de idéias que criticavam estes aspectos do Antigo Regime e sugeriam outro forma de organizar a sociedade, fortalecendo o capitalismo e a burguesia.
Conheçamos agora estas idéias que foram chamadas de Idéias Liberais ou Liberalismo.
2- Idéias Liberais: contra o que eram e seus objetivos
A base para a elaboração das idéias liberais foi o Iluminismo que se caracterizou como um movimento filosófico ocorrido na Inglaterra e, principalmente na França, no século XVIII. Os filósofos iluministas como Montesquieu, Voltaire, Rousseau divulgaram, através de importantes obras como a Enciclopédia, a idéia de que os seres humanos deveriam construir o seu mundo de acordo com normas criadas por eles mesmos, mediante o uso de sua razão, de sua inteligência e não de acordo com a vontade de Deus. O iluminismo recebeu este nome, pois seus seguidores defendiam que suas idéias iluminavam, clareavam os pensamentos e ações dos homens, contra o mundo obscuro do Antigo Regime.
A partir desta crença de que o homem, através da razão, podia definir as regras da sociedade, surgiram as idéias liberais. Elas foram assim denominadas porque defendiam a liberdade econômica, política e jurídica. Foram também consideradas a ideologia burguesia (ideário burguês) porque se contrapunham a tudo aquilo que prejudicasse os burgueses e defendiam tudo que os beneficiasse.
Vamos conhecer em seguida os mais importantes princípios econômicos e políticos do liberalismo.
a) Liberalismo Político: representado, principalmente, pelo inglês conhecido por Locke, ele propunha idéias que davam maior poder político para a burguesia, além do poder econômico. Nele estão contidos os princípios de cidadania que definem o conceito de cidadania no projeto liberal que ainda é muito forte nos dias de hoje. Estes princípios são:
Defesa de Eleições Representativas: os governados escolhem através do voto, os seus representantes no governo – os governantes. Isto acaba com o poder hereditário (governo que passa de pai para filho) e divino, pois não é Deus que vai determinar quem serão os governantes como diziam os reis absolutistas. São os próprios homens, via eleições, que vão determinar. Assim, a burguesia passa a ter mais chances de colocar um representante seu no governo e não só a nobreza como ocorria no Absolutismo.
Dois tipos de votos eram praticados:
- Voto censitário: só pode se candidatar a um cargo e votar, aquele que tiver uma renda alta, enfim, os ricos, a minoria da sociedade como a burguesia;
- Voto universal: qualquer pessoa, independente de raça, sexo, renda, pode votar e candidatar-se a um cargo político.
Nas primeiras experiências de eleição, o voto censitário foi o mais utilizado. Hoje, o voto universal predomina.
Divisão do governo em três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário: “...propunha Montesquieu que o Executivo aplicasse as leis feitas pelo Legislativo. Caso as leis fossem desrespeitadas, caberia ao Judiciário julgar o violador ou violadores das leis.Além do mais, os três poderes exerceriam vigilância recíproca para neutralizar eventuais arbitrariedades cometidas: o Executivo vetaria leis contrárias às liberdades ou direitos individuais; o Legislativo poderia suspender o Executivo de suas funções caso o mesmo se mostrasse arbitrário ou omisso, e o Judiciário julgaria conflitos existentes entre os dois outros poderes...”(Aquino, 1990, p. 12).
O poder Executivo é ocupado pelo Rei e/ou Presidente da República e/ou Primeiro-Ministro, dependendo do sistema de governo (Monarquia Parlamentarista, Presidencialismo, Parlamentarismo). O poder Legislativo é ocupado pelos parlamentares – deputados e/ou senadores, e o poder Judiciário pelos juízes e promotores.
Esta divisão do governo em três poderes, onde um vigia o outro, tenta evitar o abuso de poder de um governo como ocorria na Monarquia Absolutista, onde o rei governava sozinho, agindo mais a favor da nobreza e do clero e menosprezando as outras classes sociais – burguesia e trabalhadores.
Elaboração e aplicação de uma Constituição e leis em geral: leis que definiam os direitos e deveres do Estado, de seus governantes e governados. Pretende-se que, através das leis, os homens de qualquer classe possam se proteger dos abusos contra seus três direitos individuais básicos: vida, liberdade, propriedade. Portanto, não mais pode haver um governo onde seu “comandante” faça o que bem entender, beneficiando a quem quiser, como ocorria no Absolutismo. Ele tem que basear suas decisões nas leis vigentes, criadas por representantes eleitos por toda a sociedade.
Liberdade de Pensamento e Expressão: os homens devem basear suas ações no seu próprio pensamento, na sua razão e não na obediência cega aos ensinamentos de Deus pregados pela Igreja. Assim, têm o direito de criticar, discordar ou concordar com as ações do governo, propondo, reivindicando medidas que atendessem a seus interesses e necessidades.
Isto é bem diferente da época do Absolutismo, quando o povo devia aceitar passivamente as ações do Rei, pois elas representavam a vontade de Deus.
b) Liberalismo Econômico: representado, principalmente pelos ingleses Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo e Stuart Mill, defendia idéias que diminuíam a interferência do Estado e seu governo na economia, nos negócios da burguesia, dando mais liberdade de ação a esta, aumentando seus lucros, fortalecendo o capitalismo. Seus principais princípios são:
Livre Iniciativa na Economia: ao contrário do que acontecia no mercantilismo, onde o Estado definia o quê e como produzir, no liberalismo há a defesa de que o Estado não interfira muito na produção, nos negócios. É a pregação do laissez-faire – deixar fazer, em francês.
A burguesia dirige seus negócios sozinha, define o quê e como produzir, que preço cobrar sem a interferência do Estado. Este só vigia de longe pra evitar abusos e investe na infra-estrutura necessária para o desenvolvimento das atividades econômicas.
Direito de Propriedade Privada e Herança: cada indivíduo faz dos seus bens o que bem entender. O Estado não pode interferir, não pode se apossar destes a não ser que pague por eles.
Livre Concorrência: diferente do mercantilismo, quando havia o monopólio comercial entre a metrópole e a colônia, o liberalismo defendia que as regiões que eram colônias deviam ter liberdade de fazer comércio com qualquer país e não só com sua metrópole. O que deve valer é a “lei da oferta e da procura”, ou seja, quem tem melhores preços,vende mais. Assim, haveria uma ampliação do mercado, a burguesia comercializaria e lucraria mais e, para isto, aumentaria sua produção. Esta idéia influenciou o fim do colonialismo e o movimento de independência das colônias existentes, principalmente, na América.
Livre Negociação Patrões e Empregados: os salários, a jornada de trabalho são decididos através de acordos firmados entre o patrão e o empregado, sem a participação do governo. Assim, o governo não tem responsabilidade de garantir aposentadoria, salário-desemprego, aumentos salariais aos trabalhadores.
Os principais defensores destas idéiais liberais – membros da burguesia – afirmavam que a sua concretização levaria à construção de uma sociedade mais justa, onde haveria liberdade, igualdade e fraternidade para todos, ricos e pobres, e não só para os burgueses.
Será que isto realmente aconteceu? Pense nisto, observando o nosso dia-a-dia que é organizado, predominantemente, pelas idéias do liberalismo político e econômico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AQUINO, Rubim Leão de e LISBOA, Ronaldo César. Fazendo a História: a Europa e as Américas nos século XVIII e XIX. 2 ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1990. pp. 10-15.
DI GIOVANI, Maria Lúcia Ruiz. História. São Paulo: Cortez, 1992. PP. 70-84.
MENEZES, Jerônima A de Paula. Democracia Burguesa e Liberalismo. Cadernos de História. Uberlândia, ano 1, n. 1, PP. 37-44. jan./dez. 1990.
ROTEIRO DE ATIVIDADES
I. Numere os parágrafos do texto.
II. Divida o texto nas seguintes idéias:
1. As idéias liberais e a transformação do capitalismo a partir do século XVII.
2. O poderio econômico da burguesia européia no século XVII.
3. A crise do Antigo Regime: o mercantilismo e o absolutismo atrapalhando os negócios da burguesia.
4. Características do Absolutismo: poder absoluto, hereditário e divino do rei.
5. Como o Absolutismo atrapalhava a burguesia?
6. Características do Mercantilismo: economia sob o controle do Estado.
7. Como o Mercantilismo atrapalhava a burguesia?
8. Como o monopólio comercial atrapalhava a burguesia francesa e inglesa?
9. Solução da burguesia para acabar com os prejuízos gerados pelo Absolutismo e Mercantilismo: as idéias liberais.
10. A base do Liberalismo: as idéias iluministas.
11. Liberalismo: liberdade econômica, política e jurídica para a burguesia.
12. Liberalismo Político: maior poder político para a burguesia.
13. Primeiro princípio político do Liberalismo Político: fim da sucessão hereditária dos governantes.
14. Segundo princípio político do Liberalismo Político: fim do poder absoluto do Rei.
15. Terceiro princípio político do Liberalismo Político: leis elaboradas por representantes eleitos pelo povo.
16. Quarto princípio político do Liberalismo Político: liberdade de pensamento e expressão.
17. Liberalismo Econômico: menor interferência do Estado nos negócios da burguesia.
18. Primeiro princípio do Liberalismo Econômico: livre iniciativa na economia.
19. Segundo princípio do Liberalismo Econômico: direito à propriedade privada.
20. Terceiro princípio do Liberalismo Econômico: fim do monopólio comercial.
21. Quarto princípio do Liberalismo Econômico: livre negociação entre patrão e empregado.
22. Liberalismo traz a igualdade, fraternidade e liberdade para todos, como diz a burguesia?
Observação: Para marcar no texto cada uma das idéias acima, siga as seguintes instruções:
• Marque no texto o início e o final de cada parte com chaves [ ]
• Numere esta parte marcada com o número que ela recebe neste roteiro.
III. Leia cada parte com muita atenção.
IV. Grife as palavras desconhecidas, procure-as no dicionário e anote, no caderno, o significado mais adequado para o seu sentido do texto.
V. Após ler as idéias 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21 , pense e anote exemplos que comprovem sua permanência nos dias de hoje.
VI. Reflita sobre a pergunta feita na idéia 22 e anote suas reflexões no caderno.
VII. Discuta o texto em sala de aula com a professora e os colegas.
VIII. Estude bem o texto para fazer uma avaliação escrita, individual e sem consulta no dia ___/___/___.
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