sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Trabalhadores imigrantes no Brasil - século XIX/XX


Leide Alvarenga Turini

Mesmo antes da abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, alguns segmentos da classe dominante brasileira, sobretudo os cafeicultores do oeste paulista, demonstravam interesse pela adoção da mão de obra do trabalhador imigrante. Isto significa que não havia mão de obra disponível no Brasil que pudesse ser utilizada por esses proprietários? Não! Havia sim, no Brasil da época (segunda metade do século XIX), um potencial de mão de obra (trabalhadores pobres e livres) que poderia atender ao interesse dos proprietários no processo de expansão da lavoura cafeeira. Entretanto, a possibilidade de utilização do trabalhador nacional foi logo abandonada.

Os trabalhadores nacionais livres se recusavam ao trabalho nas lavouras porque possuíam uma ideia extremamente negativa a respeito do mesmo. Conheciam de perto a relação existente entre senhores e escravos no Brasil, relação esta caracterizada pela superexploração e violência. Desta maneira, preferiam perambular livremente pelo país, realizar serviços esporádicos nas fazendas ou desenvolver atividades agrícolas de subsistência ao invés de se sujeitarem ao trabalho degradante nas lavouras. Para que os pobres livres se sentissem atraídos pelo trabalho disciplinado e regular nas grandes plantações, junto com os escravos ou em substituição a eles, seria preciso oferecer-lhes vantagens materiais que tornassem compensador o abandono da vida marginal e errante, porém livre, que muitos daqueles trabalhadores levavam. Em síntese, enquanto os trabalhadores nacionais (pobres livres) pudessem garantir a subsistência, mesmo que de forma precária, não se submeteriam ao regime de trabalho imposto pelos proprietários.

Assim, não foi por acaso que os cafeicultores brasileiros optaram pela mão de obra do imigrante e também não foi sem razão que trabalhadores europeus emigraram para o Brasil. Em países como a Inglaterra, França, Itália, Alemanha, o processo de industrialização, entre os séculos XVIII e XIX, fez-se à custa da exploração do trabalho dos operários urbanos e da expulsão dos trabalhadores rurais, do campo. Esses últimos, impedidos de obter a subsistência por meio do cultivo da terra dirigiram-se para as cidades onde engrossaram as fileiras dos desempregados ou se submeteram ao regime de trabalho das fábricas. A Itália, que forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes para o Brasil, passava à época por crises políticas e sociais responsáveis por elevados índices de desemprego[1]. Por outro lado, as medidas adotadas pelos Estados Unidos no período, restringindo a imigração para aquele país, atraíram para o Brasil um elevado número de imigrantes.

Desta maneira, o trabalhador europeu, sem nenhuma propriedade, dono apenas de sua força de trabalho e que acreditava que o trabalho no Brasil seria fonte de enriquecimento e segurança, era o trabalhador ideal na perspectiva capitalista dos proprietários brasileiros.

Assim é que, no século XIX, milhares de imigrantes (alemães, suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) entraram no Brasil trazendo na bagagem apenas alguns objetos de uso pessoal e na cabeça o sonho de “fazer a América”. Para a concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um fator que muito contribuiu foi a intensa propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa.

Conforme Michael Hall, a respeito da propaganda feita na Itália:

Durante os últimos anos da década de 1880, agentes do Brasil pululavam em Veneza e outras partes do Vale do Pó estimulando “uma espécie de febre” que levaria inúmeros trabalhadores agrícolas a partirem para o Brasil, na “esperança de lá encontrarem a terra prometida” como escreveram os funcionários italianos em  Treviso. Alguns desses candidatos à emigração até viajaram a pé, cruzando a maior parte do norte da Itália sob um rigoroso inverno, para tomar os navios que em Gênova prometiam passagens grátis para Santos. 

Os trabalhadores imigrantes vinham para o Brasil em busca de uma vida melhor, diferente daquela que levavam em seu país de origem. Fugiam do desemprego e da fome e acreditavam, por força da propaganda, que no Brasil teriam acesso a terra (como os primeiros imigrantes que vieram para o Brasil no início do século XIX) e que poderiam construir uma nova vida.

Antes da vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras, algumas experiências já haviam sido realizadas com colonos europeus no Brasil. Por exemplo, no início do século XIX, com o objetivo de promover o povoamento de algumas regiões do país, o governo brasileiro criou o sistema de colonização que consistia na instalação de imigrantes em pequenas propriedades de terra. Por esse sistema, as famílias de colonos imigrantes recebiam pequenos lotes de terra onde deveriam produzir principalmente gêneros alimentícios para o mercado interno. Pelo sistema de colonização chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, imigrantes alemães e suíços que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Colônias como a de São Leopoldo (1824) no Rio Grande do Sul e a de São Pedro de Alcântara (1828), em Santa Catarina, foram criadas dentro dos princípios do sistema de colonização. Mais tarde outras colônias foram fundadas, como a colônia Dona Francisca (hoje Joinville) e a colônia de Blumenau (1850), em Santa Catarina. As colônias estabelecidas no sul do país não representavam uma ameaça para os cafeicultores do sudeste nem para os pecuaristas gaúchos uma vez que se localizavam em áreas não ocupadas pelo latifúndio e produziam gêneros que não concorriam com os da grande lavoura. Esperava-se desses colonos imigrantes que, ao receberem terras, formassem uma camada social intermediária entre escravos e latifundiários (a categoria social dos pequenos proprietários) com a tarefa de produzir vários gêneros para o mercado interno, atendendo às necessidades dos latifúndios (cuja base era a monocultura de exportação) e dos núcleos urbanos em expansão.

Mas foram poucos os colonos imigrantes que receberam terras e subsídios do governo brasileiro, principalmente a partir da aprovação da lei de terras de 1850. Esta lei proibiu a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Essa lei provocou a expulsão de muitos posseiros, bem como impediu que outros trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso a terra.

De qualquer maneira, o sistema de colonização durou pouco. A partir de 1840, quando os proprietários paulistas passaram a defender a vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras de café, o sistema adotado nada tinha a ver com o que havia sido realizado nas primeiras décadas do século XIX. Conhecido como sistema de parceria, a primeira experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira), cujo proprietário era o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Para o transporte dos imigrantes o senador Vergueiro fundou a empresa Vergueiro e Cia. Os trabalhadores imigrantes contratados eram todos camponeses empobrecidos, artesãos e operários que esperavam encontrar no Brasil o que na Europa estavam impossibilitados de obter: acesso a terra, bens materiais e condições dignas de vida.

De acordo com o contrato de parceria, os colonos tinham todas as despesas de viagem pagas e transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família, efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do fazendeiro. Essa gratuidade era, na verdade, apenas um adiantamento: logo que o colono iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Do lucro obtido com o café colhido, o colono deveria receber a metade, descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento, transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos alimentos vendidos pelos colonos.

Ainda com pouco tempo de funcionamento, o sistema de parceria acarretou vários problemas que acabaram em sérios conflitos entre as duas partes. Os colonos acusavam os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros frutíferos que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis. Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a mercadoria em prejuízo dos colonos. Criticavam a falta de liberdade religiosa e as moradias em que eram instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. Além disso, muitos fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido anteriormente, cobravam aluguel dos colonos. O endividamento dos colonos era permanente, pois além das dívidas contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os fornecia aos colonos a preços altíssimos. Dessa maneira, muitos imigrantes endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando preso ao fazendeiro, quase como um escravo.

Os colonos não se acomodaram a esta situação. Inicialmente realizaram protestos pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas famílias abandonaram as fazendas. Foram inúmeros os casos de greves, rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de indisciplinados, reclamando das freqüentes deserções de suas fazendas. Quando eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento do governo, fiscalização e repressão policial.

Durante a década de 1860 as fazendas de café foram abandonando o sistema de parceria e, na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café produzido.

Entretanto, mesmo após a imigração subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores imigrantes continuaram muito ruins e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se para bem poucos. Muitos deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomavam o rumo das cidades a procura de trabalho nas fábricas ou em outras atividades urbanas. Em 1902, o governo da Itália proibiu a imigração subvencionada para o Brasil e os fazendeiros passaram a se interessar pela imigração de trabalhadores portugueses e espanhóis. Em 1910, o governo espanhol também proibiu a emigração subsidiada. A partir de 1908 chegaram ao Brasil imigrantes japoneses, os quais passaram a integrar a força de trabalho nas lavouras de café e em outras atividades agrícolas do país.

Bibliografia:

ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 143-148.

AZEVEDO, Célia M.M. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

REVISTA TRABALHADORES. Imigrantes. Publicação da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas: 1989.



[1] De acordo com Francisco Alencar, “na Itália que forneceu o maior contingente de imigrantes para o Brasil, havia várias forças de expulsão. As lutas políticas do processo de unificação e o desenvolvimento do capitalismo no campo levaram à concentração da propriedade da terra, ocasionando o desemprego de milhares de famílias. O crescimento industrial no norte provocou a falência de pequenas indústrias e manufaturas do sul, o que também causou desemprego”. ALENCAR, Francisco e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986, p. 147.


29 comentários:

  1. Olá! Estou fazendo meu TCC sobre a história de Engenheiro Coelho e seus personagens ativos no progresso do município. Este post foi perfeito pra me ajudar na introdução, sobre a contextualização da colonização a imigração regional, obrigada! Adoraria me aprofundar mais!

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  2. ihola! eu to fazendo um trabalho e eu naoo consegui em conta 'porque os fazendeiros prefiriam a mao de obra dos imigrantes e nao a dos EX- escravos

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    1. não foi questão de preferir ou não. Os negros já estavam calejados da escravidão, e quando finalmente conseguiram a sua liberdade, obviamente não iriam permanecer a serviço de quem tanto os explorou, assim como os brancos livres naquela época deveriam ter medo de serem tratados nas mesmas condições em que foram tratados os escravos. Resumindo, quem é que naquela época iria querer arriscar a sua liberdade, e se submeter a condições desumanas por livre e espontânea vontade? Mesmo já havendo leis de proteção, como eles poderiam ter certeza de que as mesmas seriam cumpridas por seus patrões? Melhor não arriscar!!!

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    2. muitos fazendeiros não quiseram empregar e pagar salários aos ex-escravos, preferindo assim o imigrante europeu como mão-de-obra

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    3. Queria saber como era o regime dos imigrantes europeus, mais nao consegui achar.

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  3. Pq usar mão de obra dos imigrantes e não dos escravos, pelas datas, o processo de imigração com contratos começou em 1847 e foi até 1902/1908, ou seja 1847 ainda havia a mão de obra escrava, e mesmo com o fim da escravidão pq não fazer uso da mão de obra dos ex-escravos, com o mesmo sistema?

    Se puder responder, obrigada!

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    1. Eu acho que é porque o trabalho escravo era proibido esse tempo!!! Minha opnião é essa!!!

      Tenho 13 Anos

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Por causa da proibição do tráfico de escravos.. Com tal proibição a mão de obra escrava começou a ficar escassa..

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    4. olha...a credito q sejo pq eles se recusaram a pagar para negros... q antes eram seus escravos, faziam oque els queriam... ao menos isso q aprendi na escola.

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    5. *acredito *seeja *eles bá!
      errei varias palavras

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  4. Parabéns pelo encadeado, elucidativo e didático texto. Com certeza vai me ajudar muito no resgate de minha italianidade. Se puder informem bibliografia sobre o processo de captação de imigrantes pelos agentes brasileiros e a assinatura do contrato de imigraçào pelos futuros colonos.

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  5. Quais são os trabalhos de imigrantes hoje no Brasil

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    1. bom até que eu poderia te responder mas essa resposta eh mt facil linda

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  6. com a abolição da escravatura quem começou a trabalhar nas industrias e fabricas? De onde vinham essas pessoas?

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  7. ai gente mt obrigada ja conseguir achar a resposta dessa perguntinha q eu escrevi ai em cima vlw amoo vcs<3

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  8. isso foi muito util para o meu trabalho historia

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  9. Com o fim da escravidão no Brasil, muitos negros foram expulsos das fazendas e ficaram sem ter onde morar nem como sobreviver. A elite brasileira não queria que os negros assumissem os novos postos de trabalho que estavam surgindo no Brasil, à preocupação da elite era embranquecer o país com imigrantes vindos da Europa.

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  10. oque significa a afirmação de que o estabelecimento de colônias imigrantes poderia resolver os problemas de subsistência no brasil?

    Alguém pode me dizer??

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  11. Como os fazendeiros chamava os colono, PPR abandonarem os cafezais?

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  12. Por que se acreditava que o Imigrante europeu se converteria em elemento modernizador da economia brasileira?

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  13. qual era o trabalho dos imigrantes,depois que obitinham um pedaço da terra?

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  14. qual era o trabalho dos imigrantes,depois que obtinham um pedaço da terra

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